Porque dissertar despropositadamente é preciso.

junho 01, 2011

A revolução, o Barcelona e o prazer

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Antes, minhas justificativas para as quase escassas atualizações do blog: tempo (original!) e Liberarte (que incentiva a produção literária, mas restringe a sua divulgação). Fez-se a oportunidade, eis o texto:
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Muito já foi dito sobre o Barcelona com cujas apresentações nós, viventes, estamos sendo agraciados, mas há, ainda, margem para dissertar sobre o que isso significa para o futebol, do ponto de vista de seus conceitos, de sua tática, de sua popularidade e, nesse caso específico, do espetáculo por ele proporcionado.

- Não existe vergonha em perder para o Barcelona – foi com essa frase instantaneamente célebre que Sir Alex Ferguson, o treinador mais bem sucedido da história do futebol inglês ao longo das mais de mil partidas à frente do Manchester United, sintetizou, logo após a derrota por 3x1 no último sábado, em Wembley, o quão representativo é o nível alcançado pelo Barcelona.

Parece ser um dos casos em que adjetivos acabam por limitar o fato, sem nunca transcrevê-lo em toda sua magnitude. Se assim o é, deixemos que as imagens de um dos tantos mágicos lances falem por si:



Segundo gol dos cinco que o Barcelona aplicou sobre o Real Madrid naquele inesquecível 29/11/2010

A busca pelo futebol total, com os jogadores girando em campo, atacando e defendendo em bloco, numa harmonia tática que faz da equipe um organismo vivo, começou com a Holanda, na década de setenta. Não por acaso, aquele time, mesmo sem conquistar a Copa de 1974, ficou consagrado na história como Laranja Mecânica. É esse estilo de futebol que o Barcelona resgatou, não hoje, mas quando Frank Rijkaard assumiu o comando da equipe, em 2003. Como jogador, Rijkaard foi campeão da Eurocopa pela Holanda em 1988, na Alemanha ainda Ocidental, com esse time:



De lá pra cá, mesmo com a saída de Rijkaard e a chegada de Guardiola, o Barcelona não perdeu o pique, nem o estilo.

O futebol total, por exemplo, é aprimorado a cada dia. No segundo jogo contra o Arsenal pelas quartas de final da Champions League vencida pelo Barça no sábado, o Barcelona mandou tanto na partida que, além de manter-se acima da média de 62% de posse de bola, não deixou o Arsenal finalizar uma vez sequer. Isso mesmo, noventa minutos se passaram sem que a equipe de Wenger conseguisse um chute de fora da área, um cabeceio, um desvio em direção à meta de Valdéz. Nada.


Mas a revolução vai além. Ao contrário do que se prega ao redor do mundo, o Barcelona não prima pela força, pela altura e pela imposição do físico sobre o técnico. Do meio para frente, o quinteto responsável por assombrar o mundo (Xavi, Iniesta, Messi, Pedro e Villa) tem, em média, meros 170 cm de altura.


E é assim, revolucionando e mostrando que o futebol pode ser, sim, prazeroso e vitorioso, que o Barcelona empilha títulos, quebra recordes, multiplica sócios, consagra craques e, claro, escreve a história que será contada com olhares saudosos por você a seus netos.

"Então, filho, esse jogava!"



fevereiro 18, 2011

O medo do evitável.

De repente, numa dessas chamadas peças que a vida prega nos que a ela são submetidos e nos que a ela se submetem, o senhor Juarez tornou-se o foco das câmeras.

Juarez, como não gosta de ser chamado, nunca foi simpático aos holofotes. A bem da verdade, ao longo de sua carreira, além de colecionar dissidências com os que encontram por meio deles – os holofotes - um meio de sustentar a família e a si mesmos, Juarez também não costuma cultuar bons relacionamentos com aqueles que parecem atrelados ao protagonismo.

‘Ossos do ofício’, é o pensamento no qual se ampara sempre que deparado com as obscuras lentes. Não tinha noção dessa megalomania quando escolheu a profissão, mas acredita que já se adaptou sensivelmente à situação, pelo menos já não tem ânsias de cuspir na cara do repórter, nem de devorar a arma que este empunha, conhecida por alguns como microfone.

Enfim.

Lá está Juarez - marginalizado, por que não dizer? – em pé, de braços cruzados, feições centradas, inepto diante do que vê, numa postura que o também uniformizado espectador, retesado na poltrona da sala em frente à TV, definiria como ‘amedrontada’.

‘Medo do evitável!’, bradam os mais acalorados, não exatamente com estas dignas palavras. O espectador não julga sem conhecer, Juarez acumulou uma fama – não gratuita – de vacilar diante do perigo e, amedrontado, como melhor não poderia definir o sábio espectador, ceder ao oponente, acumulando fracassos que se sobressaem às vitórias sempre que alguém cita seu currículo.

Ao soar estridente que determina o fim de seu sonho, o fim de suas esperanças e o acréscimo de mais um fracasso à sua coleção, Celso Juarez Roth baixa a cabeça, como que envergonhado diante do resultado. Ignora que perder para os de azul, preto e branco, mesmo à margem do rio, não é vergonha para ninguém, vergonha será encarar o olhar dos por ele comandados, sabendo que o sonho de conquistar a América pela terceira vez já vai longe, ou nem tão longe assim, dois quilômetros ao leste.

janeiro 30, 2011

Você é corruptível?

O cenário é mutável, o personagem assume diferentes estereótipos, mas a declaração, geralmente encenada com um adequado tom de revolta, é a mesma:

- Políticos são todos iguais, safados, corruptos. Um bando de vagabundos!


De mãos lavadas, abstém-se, o inferno são os outros.


Ignorante ou simplesmente distraído, parece esquecer que os políticos nada mais são do que um reflexo dos cidadãos que os elegeram. Não por acaso, vivemos num sistema denominado democracia representativa, aquele que lá está tem o papel de representar e ser o porta-voz daquele que o escolheu. Nessa condição, acaba por personificar também as mazelas do povo brasileiro, em especial o principal viabilizador da corrupção:


O jeitinho brasileiro.


Orgulho para alguns, vergonha para tantos outros, motivo de ódio no exterior, é essa mentalidade de buscar tirar proveito de tudo e de todos, sem medir consequências, que está no cerne do problema.


Na fila do banco, o sujeito encontra um conhecido, aproxima-se e tcharan, a malandragem do brasileiro já entrou em ação e fez outras vítimas.


Na rua, o sujeito volta e encontra um guarda aplicando uma multa por estacionar em local proibido. Malandro que é, livra-se da infração por vinte reais, pagos espontaneamente pela qualidade do serviço prestado pelo guarda.


No trem, o sujeito, jovem, percebe a aproximação de um idoso e, para evitar ceder o lugar, finge estar dormindo.


Principalmente por essa mentalidade, exaltada por muitos, medidas que são comuns na Europa nunca funcionariam aqui. Exemplos: Na Alemanha, o agricultor coloca os repolhos à beira da estrada, com uma placa indicando o preço e uma caixa para depositar o dinheiro, o sujeito escolhe o que quer, paga por isso, faz o próprio troco e vai embora, sem que ninguém precise checar a transação, enquanto o agricultor trata de sua plantação. Ainda na Alemanha, o sujeito tem três carros, mas um deles está estragado e não sai às ruas há um ano, ele explica isso ao Governo, que não cobra o imposto. Em países sérios, o cidadão não busca enganar a todo momento, nem o Governo dá motivos para que haja esse desejo. Uma coisa leva a outra, criando esse sistema que chamamos de ‘primeiro mundo’, onde a honestidade prevalece.


Há uma diferença entre livrar-se de uma multa de trânsito e ser protagonista de um caixa dois, mas a mentalidade é a mesma, o que muda é a escala do problema. De qualquer forma, cada vez que alguém passa outro alguém para trás por meios “brasileiros” e surge um terceiro alguém para exaltar o feito, nosso destino vergonhoso é novamente traçado.


Antes de culpar a política, atribuindo aos que dela vivem a maior responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela nação tupiniquim, vale a pena refletir se o principal problema do Brasil não é, de fato, o brasileiro.

janeiro 22, 2011

Decidido.

Enquanto espero pela definição, restam-me duas opções para aliviar a ansiedade: tamborilar os dedos pela borda da mesa de madeira - cujas sessenta e quatro lacunas já se desgastaram – ou fitar o horizonte inexpressivamente. Só não posso, e o sucesso depende disso, deixar transparecer meus objetivos, ou demonstrar a ansiedade que me corrói há, noto consultando o relógio novamente, sete minutos.

Às vezes, independentemente do resultado final ou da decisão tomada, o momento da expectativa é de uma angústia mais intensa do que a gerada pela dita decisão, por pior que isso possa representar. Talvez seja o medo do desconhecido, ou simplesmente a consciência de que o resultado não depende de você.


Sento-me mais retesado no banco sem encosto e encubro parcialmente a visão, numa atitude de aparente concentração, mas com o único objetivo de esconder o traçado percorrido por meus olhos. Sim, há uma chance. Ainda há esperança.


Não, não há esperança. Está acabado. A arte milenar de alimentar uma expectativa pessimista e assim tornar-se imune à frustração. Pensamento positivo? Isso nunca fez sentido mesmo. Tentei, admito, derrubar um caminhão da Kuat com a força da mente, mas não fui bem sucedido e, desde então, assumi a postura de um cético.


Opa! Vi uma hesitação ali. Pareceu-me, pelo menos, que ele tinha tomado uma decisão, mas recuou antes de completá-la. Devo considerar isso um indício positivo? Certamente que não, ele deve ter percebido minhas intenções... De qualquer forma, seu tempo está esgotando, ele terá de agir em breve.


Eu sabia que o momento crucial estava se aproximando inexoravelmente. Isso, é claro, só contribuiu para minha ansiedade. Embora meu semblante se mostrasse impassível, quase indiferente, minha perna direita estava num ritmo tão frenético que em breve eu deslocaria o joelho de novo. Sim, de novo. Melhor não, não agora, segurei com firmeza a perna, obrigando-a a permanecer imóvel.


É chegada a hora. Aproximando-se da mesa, ele tomou a decisão que eu esperava que tomasse. A mesma que maturava há alguns minutos no meu cérebro. A decisão que representava um futuro feliz para mim, uma excelente perspectiva, a melhor, na verdade, muito embora ele de nada suspeitasse.


Agora quem tinha de tomá-la era eu. Finalmente, depois dessa angustiante espera, eu poderia definir algo sozinho. Ele que aguardasse, sentisse um pouco do que é ter a sua única alternativa entre rir e chorar nas mãos do outro. Mas eu faria diferente, afinal, a decisão era minha. Bispo na casa f3, xeque mate.

janeiro 16, 2011

Simplesmente diferente.¹

Com seu pijama azul escuro, o mesmo de quatro anos atrás, ele acorda e cumpre a religiosa tradição que já tem mais história que o referido pijama de mangas desbotadas: colocar o pé direito no chão antes do esquerdo. Está em pé sob o chão gelado, são cinco da manhã de mais uma segunda-feira. O dia começou bem.

O radinho de pilha, que resiste bravamente sem a antena, também o acompanha desde tempos mais remotos. Sintonizá-lo e posicioná-lo estrategicamente sobre a única cômoda é o terceiro ato de nosso personagem.

O elevado grau econômico que se reflete nas casas vizinhas e no exterior da sua própria casa, não se reflete no interior. Ali, tudo é simples. Ele não se preocupa com luxo, com conforto ou com aparência. Basta, para ele, a eficiência e o funcionamento que garantem a utilidade daquilo que usa. Mesmo quando desgastado ou parcialmente estragado, só opta por novidades quando o obsoleto torna-se inoperante. Sua ideologia é diferente. O radinho de pilha, velho, amassado e sem a antena, transmite o noticiário das cinco e cinco, mesmo que para isso precise ser cuidadosamente posicionado? Se sim, isso basta.

Já devidamente vestido e calçado, atravessa o quarto rumo ao segundo dos quatro cômodos da casa. São cinco e vinte, ele já está atualizado a respeito da previsão do tempo para o dia, daquilo que de importante ocorreu na madrugada, do andamento do pregão nas bolsas do outro lado do mundo e do violento terremoto que foi previsto para o país vizinho.

Dono de uma capacidade intelectual acima da média, tem seus pensamentos perfeitamente ordenados. O dia transcorre dentro do previsto, até porque são raras as ocasiões em que ele é pego de surpresa. Sabe das conseqüências de seus atos antes de executá-los e é com essa percepção distinta de mundo que senta-se à mesa para tomar seu café forte, puro, enquanto abre o primeiro dos três jornais que assina e começa a lê-lo, de trás para frente.

Através da janela semi-aberta, os primeiros raios solares adentram na cozinha, trazendo consigo a brisa tranquila do amanhecer num dos nobres bairros da cidade.

Faltam exatos catorze minutos para as seis horas, ele levanta os olhos do terceiro jornal e aguça a audição para os ruídos vindos do exterior. Como esperado, às cinco e quarenta e sete, o ônibus cujo destino é o centro da cidade passa sacolejando pela rua onde todos, exceto o nosso personagem, possuem carros importados e reluzentes para a própria locomoção.

Faltando cinco minutos para as seis horas e, portanto, trinta e cinco para o início de seu expediente, nosso personagem termina de lavar e guardar o que sujou ao preparar e beber o café, tranca a janela através da qual os raios solares incidiam sobre o fogão, coloca a mochila sobre os ombros, apanha a chave e sai de casa para o início de mais uma semana de trabalho.

Na garagem, confere os pneus de sua mais recente aquisição, uma bicicleta cujas doze marchas lhe são de vital importância na subida leste.

Desfruta cada minuto pedalado, não há maior integração com a natureza, no seu entender, do que ser responsável pela velocidade de sua locomoção. É ele que faz a engrenagem girar, não está simplesmente pressionando um pedal que vai gerar uma reação em cadeia para impulsionar um carro. Além de que, testemunhar o amanhecer da cidade sobre duas rodas, sentir a brisa acolhedora da manhã no rosto e contribuir para a natureza ao não poluir, são, para ele, condições de que nunca abrirá mão ao se locomover.

Já está no quarteirão ocupado pela empresa da qual é sócio, cumprimenta os seguranças de forma familiar e coloca um cadeado prendendo sua bicicleta ao poste, no meio do estacionamento. Infelizmente, ali não há lugar para bicicletas, ele até já teria providenciado isso, mas, do alto de sua racionalidade, não vê sentido em criar algo que estaria à disposição do público em geral, mas tendo somente ele como beneficiário.

Seis horas e trinta minutos, o nosso personagem já se encontra na empresa para iniciar sua jornada de trabalho. Esse conto termina aqui, mas a história do homem que se diferenciava por ser simples seguirá sendo contada para mostrar a jovens, adultos e crianças que o ser humano ainda pode evoluir como pessoa. Dê valor ao que importa, priorize a simplicidade, evolua você também.

¹ Conto premiado no Liberarte 2010 - concurso cultural de crônicas, contos e poemas da Fundação Liberato -, releve o clichê, portanto.