Porque dissertar despropositadamente é preciso.

novembro 06, 2012

O elo fraco da Feira do Livro

De camiseta, calças presas aos joelhos e alpargatas, acusando o clima abafado que toma conta do centro de Porto Alegre em uma noite de primavera, Paulo Roberto Fogaça prosta-se ao lado da banca 55 da Feira do Livro, atento aos olhares dos possíveis clientes. A atenção de Fogaça tem motivo: ele sabe que o atendimento imediato é determinante para vender seus livros e conquistar fregueses.

Mas a tarefa não tem sido fácil.

Ao longo dos dezessete dias em que a Feira do Livro de Porto Alegre toma conta da Praça da Alfândega, milhares de visitantes, organizadores, autores, editores, livreiros e feirantes ocupam um espaço delimitado por tapumes e coberto por toldos, no coração da capital de todos os gaúchos. Ano após ano – completam-se 57 em 2012 – essas pessoas têm um encontro marcado com os livros e com a cultura. Enquanto alguns procuram por conhecimento, outros se preocupam em simplesmente desfrutar do ambiente quase-erudito nas tardes prolongadas pelo horário de verão. Mas há quem vá à Feira do Livro a trabalho, na tentativa de comercializar seus produtos, emplacar um emprego temporário e tirar, dos livros, o próprio sustento.

Entre todas essas pessoas, há uma classe que, embora movimente o sistema – literal e literariamente – sai prejudicada com a feira. 

Fogaça sabe bem disso.

O livreiro residente em Caxias do Sul não se queixa das despesas com montagem, com contratação de vendedores, com hospedagem, com alimentação e com aluguel do espaço. O que o revolta é a impossibilidade de competir com os preços ofertados – de uma forma desleal, segundo ele – pelas editoras.

Como livreiro, Fogaça também é cliente. Para conseguir descontos na compra dos livros – e assim abrir margem para o lucro de seu trabalho – ele tem de comprar várias unidades de um mesmo volume. Na Feira do Livro, o desconto padrão de 20%, somado a todos os gastos já citados, muitas vezes mina o lucro da venda de seus livros.

Quando ele consegue vender.

Ao circular pela Praça da Alfândega, Fogaça já se acostumou a ver editoras oferecendo 30% de desconto em livros que lhe foram vendidos com abono de 10%. “E aí, como eu fico? As pessoas passam aqui e pensam que sou ladrão!”, indigna-se o livreiro.

O elo mais fraco da Feira do Livro explica que essa fraqueza já é inerente à profissão. “Os livreiros estão acabando, somos nós que fazemos a coisa girar, mas não somos remunerados por isso”.

Fogaça se refere ao fato de que, durante o ano, ele cumpre um papel de divulgador das obras, indo – já que parte de seu acervo é voltado à jurisdição – de escritório em escritório. Não raramente, enquanto Fogaça expõe seus livros, os clientes pesquisam o valor dos volumes na internet, um mercado que Fogaça não consegue bater. Assim, ele se torna um agente dou autores, das editoras e dos sites, divulgando e vendendo suas obras e produtos.

E Fogaça não ganha nada por isso. Pelo contrário.

Para ele, o grande beneficiário da Feira do Livro é o público, que, além das atividades culturais – quase sempre gratuitas –, dispõe de um ambiente agradável para encontrar uma infinidade de livros, com descontos que muitas vezes superam o preço dos sites online.

Mas há quem faça dinheiro com a Feira. Gisele da Paixão, da Editora Sulina, é o que Fogaça chamaria de elo forte: segundo ela, os dezessete dias ajudam a Editora a bater a meta de vendas para o ano de forma substancial. Márcia Martins, dona da Martins Livreiro Editora, argumenta que a Feira permite a fidelização dos clientes que, após conhecer, acabam vinculando-se à editora. Além disso, ela vê na Feira uma oportunidade de vender diretamente aos leitores os livros que não são mais comprados pelas livrarias, por estarem desatualizados.

Enquanto isso, Fogaça direciona seu olhar a um senhor que folheia um dicionário de sinônimos – o elo fraco também quer sorrir.

fevereiro 06, 2012

O que você quer para sua vida?

Recostado à cadeira de balanço na varanda de sua casa no interior de uma cidade pertencente à região metropolitana de uma metrópole qualquer, você observa seu neto – para cujo talento precoce você duvida que a ciência encontre explicação – montar castelos com as cartas de um baralho já gasto. O sol está se pondo, e a brisa que toca seu rosto é a mesma que agita as folhas que cobrem o pátio no fim do outono.

Servindo-se de mais uma cuia de chimarrão, vê a criança interromper a brincadeira e, com um olhar entre intrigado e divertido, perguntar: “Vô, o que tu mais colecionou na vida?”.

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Você é jovem, saiu há pouco da adolescência e precisa decidir qual carreira seguir: a que lhe dará mais dinheiro ou a que lhe proporcionará mais felicidade.
A decisão que você está prestes a tomar se refletirá na resposta que seu neto vai ouvir.

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“Cédulas.”

Ou...

“Alegrias.”

O que você quer para sua vida? Você prefere que sua existência seja marcada pelo acúmulo de bens ou de felicidades?

É tempo de decidir. Seu neto quer saber.

junho 01, 2011

A revolução, o Barcelona e o prazer

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Antes, minhas justificativas para as quase escassas atualizações do blog: tempo (original!) e Liberarte (que incentiva a produção literária, mas restringe a sua divulgação). Fez-se a oportunidade, eis o texto:
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Muito já foi dito sobre o Barcelona com cujas apresentações nós, viventes, estamos sendo agraciados, mas há, ainda, margem para dissertar sobre o que isso significa para o futebol, do ponto de vista de seus conceitos, de sua tática, de sua popularidade e, nesse caso específico, do espetáculo por ele proporcionado.

- Não existe vergonha em perder para o Barcelona – foi com essa frase instantaneamente célebre que Sir Alex Ferguson, o treinador mais bem sucedido da história do futebol inglês ao longo das mais de mil partidas à frente do Manchester United, sintetizou, logo após a derrota por 3x1 no último sábado, em Wembley, o quão representativo é o nível alcançado pelo Barcelona.

Parece ser um dos casos em que adjetivos acabam por limitar o fato, sem nunca transcrevê-lo em toda sua magnitude. Se assim o é, deixemos que as imagens de um dos tantos mágicos lances falem por si:



Segundo gol dos cinco que o Barcelona aplicou sobre o Real Madrid naquele inesquecível 29/11/2010

A busca pelo futebol total, com os jogadores girando em campo, atacando e defendendo em bloco, numa harmonia tática que faz da equipe um organismo vivo, começou com a Holanda, na década de setenta. Não por acaso, aquele time, mesmo sem conquistar a Copa de 1974, ficou consagrado na história como Laranja Mecânica. É esse estilo de futebol que o Barcelona resgatou, não hoje, mas quando Frank Rijkaard assumiu o comando da equipe, em 2003. Como jogador, Rijkaard foi campeão da Eurocopa pela Holanda em 1988, na Alemanha ainda Ocidental, com esse time:



De lá pra cá, mesmo com a saída de Rijkaard e a chegada de Guardiola, o Barcelona não perdeu o pique, nem o estilo.

O futebol total, por exemplo, é aprimorado a cada dia. No segundo jogo contra o Arsenal pelas quartas de final da Champions League vencida pelo Barça no sábado, o Barcelona mandou tanto na partida que, além de manter-se acima da média de 62% de posse de bola, não deixou o Arsenal finalizar uma vez sequer. Isso mesmo, noventa minutos se passaram sem que a equipe de Wenger conseguisse um chute de fora da área, um cabeceio, um desvio em direção à meta de Valdéz. Nada.


Mas a revolução vai além. Ao contrário do que se prega ao redor do mundo, o Barcelona não prima pela força, pela altura e pela imposição do físico sobre o técnico. Do meio para frente, o quinteto responsável por assombrar o mundo (Xavi, Iniesta, Messi, Pedro e Villa) tem, em média, meros 170 cm de altura.


E é assim, revolucionando e mostrando que o futebol pode ser, sim, prazeroso e vitorioso, que o Barcelona empilha títulos, quebra recordes, multiplica sócios, consagra craques e, claro, escreve a história que será contada com olhares saudosos por você a seus netos.

"Então, filho, esse jogava!"



fevereiro 18, 2011

O medo do evitável.

De repente, numa dessas chamadas peças que a vida prega nos que a ela são submetidos e nos que a ela se submetem, o senhor Juarez tornou-se o foco das câmeras.

Juarez, como não gosta de ser chamado, nunca foi simpático aos holofotes. A bem da verdade, ao longo de sua carreira, além de colecionar dissidências com os que encontram por meio deles – os holofotes - um meio de sustentar a família e a si mesmos, Juarez também não costuma cultuar bons relacionamentos com aqueles que parecem atrelados ao protagonismo.

‘Ossos do ofício’, é o pensamento no qual se ampara sempre que deparado com as obscuras lentes. Não tinha noção dessa megalomania quando escolheu a profissão, mas acredita que já se adaptou sensivelmente à situação, pelo menos já não tem ânsias de cuspir na cara do repórter, nem de devorar a arma que este empunha, conhecida por alguns como microfone.

Enfim.

Lá está Juarez - marginalizado, por que não dizer? – em pé, de braços cruzados, feições centradas, inepto diante do que vê, numa postura que o também uniformizado espectador, retesado na poltrona da sala em frente à TV, definiria como ‘amedrontada’.

‘Medo do evitável!’, bradam os mais acalorados, não exatamente com estas dignas palavras. O espectador não julga sem conhecer, Juarez acumulou uma fama – não gratuita – de vacilar diante do perigo e, amedrontado, como melhor não poderia definir o sábio espectador, ceder ao oponente, acumulando fracassos que se sobressaem às vitórias sempre que alguém cita seu currículo.

Ao soar estridente que determina o fim de seu sonho, o fim de suas esperanças e o acréscimo de mais um fracasso à sua coleção, Celso Juarez Roth baixa a cabeça, como que envergonhado diante do resultado. Ignora que perder para os de azul, preto e branco, mesmo à margem do rio, não é vergonha para ninguém, vergonha será encarar o olhar dos por ele comandados, sabendo que o sonho de conquistar a América pela terceira vez já vai longe, ou nem tão longe assim, dois quilômetros ao leste.

janeiro 30, 2011

Você é corruptível?

O cenário é mutável, o personagem assume diferentes estereótipos, mas a declaração, geralmente encenada com um adequado tom de revolta, é a mesma:

- Políticos são todos iguais, safados, corruptos. Um bando de vagabundos!


De mãos lavadas, abstém-se, o inferno são os outros.


Ignorante ou simplesmente distraído, parece esquecer que os políticos nada mais são do que um reflexo dos cidadãos que os elegeram. Não por acaso, vivemos num sistema denominado democracia representativa, aquele que lá está tem o papel de representar e ser o porta-voz daquele que o escolheu. Nessa condição, acaba por personificar também as mazelas do povo brasileiro, em especial o principal viabilizador da corrupção:


O jeitinho brasileiro.


Orgulho para alguns, vergonha para tantos outros, motivo de ódio no exterior, é essa mentalidade de buscar tirar proveito de tudo e de todos, sem medir consequências, que está no cerne do problema.


Na fila do banco, o sujeito encontra um conhecido, aproxima-se e tcharan, a malandragem do brasileiro já entrou em ação e fez outras vítimas.


Na rua, o sujeito volta e encontra um guarda aplicando uma multa por estacionar em local proibido. Malandro que é, livra-se da infração por vinte reais, pagos espontaneamente pela qualidade do serviço prestado pelo guarda.


No trem, o sujeito, jovem, percebe a aproximação de um idoso e, para evitar ceder o lugar, finge estar dormindo.


Principalmente por essa mentalidade, exaltada por muitos, medidas que são comuns na Europa nunca funcionariam aqui. Exemplos: Na Alemanha, o agricultor coloca os repolhos à beira da estrada, com uma placa indicando o preço e uma caixa para depositar o dinheiro, o sujeito escolhe o que quer, paga por isso, faz o próprio troco e vai embora, sem que ninguém precise checar a transação, enquanto o agricultor trata de sua plantação. Ainda na Alemanha, o sujeito tem três carros, mas um deles está estragado e não sai às ruas há um ano, ele explica isso ao Governo, que não cobra o imposto. Em países sérios, o cidadão não busca enganar a todo momento, nem o Governo dá motivos para que haja esse desejo. Uma coisa leva a outra, criando esse sistema que chamamos de ‘primeiro mundo’, onde a honestidade prevalece.


Há uma diferença entre livrar-se de uma multa de trânsito e ser protagonista de um caixa dois, mas a mentalidade é a mesma, o que muda é a escala do problema. De qualquer forma, cada vez que alguém passa outro alguém para trás por meios “brasileiros” e surge um terceiro alguém para exaltar o feito, nosso destino vergonhoso é novamente traçado.


Antes de culpar a política, atribuindo aos que dela vivem a maior responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela nação tupiniquim, vale a pena refletir se o principal problema do Brasil não é, de fato, o brasileiro.